São Luís IX: rei, estadista, guerreiro e homem de piedade


Hoje é a festa de São Luís, rei, confessor, modelo de estadista católico. Participou em duas Cruzadas, a sua relíquia venera-se na nossa capela, século XIII.        

Como sempre, há dois São Luís. A piedade sentimental formou uma imagem de São Luís muito diferente da imagem verdadeira. Acho interessante, por exemplo, quando se veem certas imagens de São Pio X e se as compara com a fotografia de São Pio X que está numa das salas da nossa sede. A fotografia dá a impressão de um homem agigantado no físico, forte na alma, rei espiritual consciente da sua dignidade e um espírito sobrenatural, uma coisa magnífica.  

A imagem é de um avozinho velhinho, alquebrado, com uma carinha de quem pede desculpa por ser Papa, uma certa vergonha por não ser padre-operário. Há um Pio X de legenda da piedade sentimental e um São Pio X verdadeiro, histórico, herói do anti-modernismo, etc.     

Com São Luís acontece a mesma coisa. Em primeiro lugar, há uma primeira imagem, que é a eterna história de São Luís sentado debaixo do carvalho de Vincennes distribuindo justiça. De maneira que se tem a singular impressão de um rei que morava debaixo das árvores, que, podendo dispor de um mundo de castelos, tendo que sustentar a pompa e a representação do primeiro reino da Cristandade, tendo que gerir todo um Estado, fazer guerras etc., não achava nada melhor do que puxar uma cadeirinha debaixo de uma árvore e ficar distribuindo justiça, atendendo. Naturalmente, absolvendo toda a gente, rodeado de uma réplica plebeia dele mesmo, tratando de coisas que não supõem argúcia, engenho, não supõem força de vontade: toda a gente imbecilizada em volta. O rei abóbora (amolecido), com um monte de aboborinhas em volta, aboborando em baixo de um carvalho. Essa seria a imagem “oficial” de São Luís.     

Essa imagem é explorada para se opor aos Reis que vieram depois. Então, Luís XIV no fastígio da sua glória, Castelo de Versailles, quarto de dormir pomposo etc., isso seria o rei errado. O rei simples é o rei marmiteiro, que julgava debaixo do carvalho de Vincennes.

É o momento de dissociarmos essas imagens e nos lembrarmos de alguns traços da vida de São Luís. Entre outros traços, convém lembrar São Luís como estadista, São Luís como guerreiro, São Luís como homem de piedade.       

Primeiro, devemos considerar um aspecto importante da sua vida: São Luís como rei da monarquia orgânica. Ele não foi, nem um pouco, daquele tipo de rei fait néant (que não faz nada) que abandonava todas as prerrogativas reais nas mãos dos vassalos. Pelo contrário, ele era verdadeiramente cioso do poder real e, se os vassalos procuraram enfrentar ou diminuir o poder real, ele várias vezes resistiu de frente e manteve as prerrogativas reais. 

Por outro lado, ele era tão cioso da autonomia dos senhores feudais, dos respectivos feudos, que dele se conta, entre outros, este pequeno facto: estava a rezar na Igreja e, num botequim perto da igreja, começaram a fazer desordem, perturbando a sua oração. Então, perguntaram-lhe por que não dava ordens para que aqueles botequineiros saíssem e acabassem com a desordem. A resposta dele: “mande procurar quem é o senhor desse feudo e diga-lhe que reprima esse abuso”. Seria tão natural uma ordem directa do rei de França, mas vejam a preocupação de observar, nos seus graus, os condutos feudais e de respeitar as várias hierarquias que estavam debaixo dele, para o bom amor dessa organicidade da estrutura feudal, que ele respeitava escrupulosamente, dentro dos limites em que devia ser respeitada. O que é profundamente diferente de Luís XIV, de Luís XIII, de Henrique IV, para não falar senão deles, pois poderíamos ir até Luís XI, destruidores sistemáticos da hierarquia feudal.  

Por outro lado, foi também São Luís que cuidou das corporações e mandou fazer o assento dos regulamentos dos costumes das corporações, dando estrutura e estabilidade às organizações plebeias que constituíam as unidades autónomas dentro da plebe, sendo um alentador de toda a forma de autonomia no seu reino, dentro do qual ele era o centro de gravidade enérgico e vivo.         

São Luís defendeu as prerrogativas da autoridade real, não só contra insurrectos de toda a espécie, mas até contra a Santa Sé. Está no seu processo de canonização, que foi amplamente estudado, que a Santa Sé, tendo querido fazer ingerências, de carácter político, imoderadas na França, São Luís resistiu de frente e levou as coisas longe até obter que essas ingerências cessassem.  

São Luís cruzado: São Luís, ao ser citado como cruzado, faz parte da legenda ele a morrer de peste em Tunis. Então, é o rei doente, deitado num colchão como os pobres assistidos pela Conferência de São Vicente de Paulo, toda a gente tem pena, enterra-se com lamurios e derrotado. A realidade histórica tem algo disso, mas não só isso. Devemos lembrar São Luís desembarcando, como descreve Joinville, todo armado, magnífico, o homem mais alto do seu exército, um capacete luzidio, com armadura de ouro; quando a sua barca tocou no Egipto, ele tinha tal sanha de combater que saltou armado dentro do mar e, à frente dos seus homens, saltou para terra e começou a combater.     

Depois, todos os feitos que realizou nas cruzadas, que o sagraram como um guerreiro perfeito. Isso deveríamos pôr ao lado do guerreiro ferido, doente, do guerreiro padecente que imita a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e, com isso, se torna imensamente venerável. É juntando todos esses aspectos que temos uma imagem adequada do rei São Luís.

Essa imagem deve-nos levantar a pergunta: um rei, nessas condições, é verdadeiramente amado pelo povo? O povo francês compreendia o que era esse rei? Há uma prova que é verdadeiramente tocante. As moedas da Idade Média são, em geral, caras, mas as mais baratas dentre essas moedas são as do rei São Luís. Porque, quando ele morreu, o povo começou a guardar as suas moedas, porque tinham a sua efígie, como lembrança e como medalha. Por causa disso, conservaram-se em incontáveis lares franceses, de maneira que são as mais baratas das moedas medievais, provando o respeito e veneração dos franceses pelo seu rei. Isto indica bem que a virtude, quando bem praticada, quando vivida de um modo autêntico, só pode produzir, no povo, uma reacção boa e, se não produz uma reacção boa, é porque o povo não presta.   

Aqui temos uma linda oração do Condestável Du Guesclin, companheiro de Santa Joana d’Arc – portanto, muito posterior a São Luís –, feita a São Luís:        

«Guardai-me puro como o lírio do vosso brasão, vós, que mantínheis a vossa palavra mesmo dada ao infiel, fazei que jamais a mentira passe pela minha boca, ainda que a franqueza me devesse custar a vida. Homem de proezas, incapaz de recuos, cortai as pontes para os meus fingimentos e que caminhe sempre para o ponto mais duro do combate».

«Guardai-me puro como o lírio do vosso brasão». A castidade do guerreiro católico. «Vós que mantínheis a vossa palavra, mesmo se dada a um infiel, fazei que jamais a mentira passe pela minha garganta, ainda que a franqueza me devesse custar a vida». Quer dizer, a verdade deve ser dita mesmo diante dos mais fortes e ainda que custe a vida, mas não mentir por medo de ninguém.   

Ainda que a minha vida esteja ameaçada, direi ao forte que me oprime a verdade inteira. «Homem de proezas, incapaz de recuos» – era o voto do cavaleiro que nunca recuava em batalha – «cortai as pontes às minhas acomodações e que eu sempre marche para o mais duro», é o mais duro da batalha, mas também o mais duro em tudo; o mais duro da vida, o mais duro em todas as situações.        

Plinio Corrêa de Oliveira, excertos de uma conferência de 25 de Agosto de 1964

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