O sexto
capítulo do Tratado é dedicado a uma página bíblica que prefigura a
verdadeira devoção a Maria. É a história de Jacob e de Esaú, narrada na Bíblia,
mais precisamente no livro do Génesis, do capítulo 25 ao capítulo 27. A
premissa é que Esaú vendeu a Jacob os direitos de primogenitura por um prato de
lentilhas. O direito de primogenitura tinha um grande significado espiritual: era
a bênção celestial prometida por Deus à posteridade de Abraão. Mas Esaú, mesmo
obedecendo ao pai e sendo por ele amado, desprezava a primogenitura a ponto de
vendê-la por um ínfimo bem terrestre como um prato de lentilhas. Foi um acto
formal que teve as suas consequências quando Isaac, antes de morrer, ordenou a
Esaú que fosse caçar para ter o que comer e, depois, abençoá-lo. A mãe Rebeca,
que amava muito Jacob, ordenou-lhe que vestisse as roupas do irmão e o
substituísse para lhe assegurar este privilégio, diz o santo, «por meio dum
santo expediente todo cheio de mistérios» (n. 184).
Isaac, que era cego, acreditava que estava a abençoar Esaú mas, em vez disso,
abençoou Jacob. Esaú, quando descobriu o que havia acontecido, ficou furioso,
mas Isaac, embora surpreso, não retratou o que havia feito, mas confirmou-o,
porque viu o dedo de Deus naquele acontecimento e a bênção divina, uma vez
dada, é irrevogável. Então Esaú pediu ao pai uma outra bênção, que Isaac lhe
deu, mas era diferente da divina porque era uma bênção da terra, o que fez Esaú
conceber um ódio tão venenoso contra Jacob que aguardava pela morte do pai para
matá-lo. E Jacob «não teria podido evitar essa morte se Rebeca, sua querida
mãe, o não tivesse salvo pelas diligências e bons conselhos que lhe deu e que
ele seguiu» (n. 184).
São Luís lembra que, de acordo com todos os santos Padres e intérpretes da
Sagrada Escritura, Jacob é a figura de Jesus Cristo e dos predestinados e Esaú
é a figura dos réprobos. Esses réprobos vendem os seus direitos de
primogenitura, ou seja, as delícias do Paraíso por um prato de lentilhas, isto
é, pelos prazeres da terra e odeiam e perseguem sempre os predestinados, aberta
ou secretamente. Os predestinados amam a vida interior e são submissos e
obedientes à sua mãe, a Santíssima Virgem, como Jacob foi a Rebeca; «os
Esaús, pelo contrário, esses perdem a sua bênção por falta de submissão à
Santíssima Virgem» (n. 198).
Maria ama os seus consagrados «mais ternamente do que todas as mães juntas».
Ou melhor, diz o santo, «juntai, se puderdes, o amor natural que as mães do
mundo inteiro têm pelos seus filhos, num só coração de mãe e por um filho
único: certamente que essa mãe amará muito esse filho, apesar disso, pode-se
afirmar, em verdade, que Maria ama ainda mais ternamente os seus filhos do que
aquela mãe amaria o seu» (n. 202).
Apenas imaginando a vastidão deste amor podemos entender como Maria guia,
defende e protege, em cada ocasião, os seus filhos e escravos e, enfim, conclui
São Luís: «depois de ter cumulado dos seus favores os seus filhos e fiéis
servos, depois de lhes ter obtido a bênção do Pai celeste e a união com Jesus
Cristo, conserva-os em Jesus Cristo e Jesus Cristo neles; guarda-os e vela
sempre por eles, não venham eles a perder a graça de Deus e a cair nas ciladas
dos seus inimigos: In plenitudine sanctos detinet: “Ela mantém os santos na sua
plenitude” e fá-los perseverar até ao fim dos tempos» (n. 212).
Roberto de Mattei
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