Deus é
tudo, nós não somos nada. Esta verdade profunda é difícil de entender, ainda
mais difícil de praticar nas suas consequências. Mas é a pura verdade.
«Dito isto – afirma São Luís no n. 80 –, será para admirar que Nosso
Senhor tenha dito que quem O quisesse seguir deveria renunciar a si mesmo e
odiar a própria alma, e que quem a amasse a perderia, e quem a odiasse a
salvaria? Esta Sabedoria infinita, que não impõe mandamentos sem uma razão, não
nos mandaria que nos odiássemos a nós mesmos se não fôssemos grandemente dignos
de ódio. Nada há de mais digno de amor do que Deus, e nada de mais digno de
ódio do que nós mesmos».
Não basta amar a Deus, devemos odiar-nos a nós mesmos; ou melhor, o amor de
Deus é medido pelo ódio que temos de nós mesmos. Mais uma vez, as palavras de
São Luís exprimem com radicalidade a doutrina das duas cidades de Santo
Agostinho: uma cidade na qual o amor de Deus chega ao ponto do desprezo de si e
uma outra na qual o amor de si é levado ao desprezo de Deus.
Com uma radicalidade ainda maior, São Luís substitui a palavra desprezo por
ódio, que significa separação, separação total. Odiar não apenas o próprio
corpo, mas o que há de mais profundo na nossa alma. Claro que fomos criados por
Deus e tudo o que é criado por Deus é bom, mas a criatura é boa porque é criada
e, como é criada, depende de Deus em todos os momentos da sua existência. É boa
a sua dependência de Deus. A criatura torna-se má quando se separa de Deus para
se tornar autónoma, auto-suficiente.
Portanto, devemos esvaziar-nos do que há de mau em nós para «morrermos para
nós mesmos todos os dias», caso contrário «se não morremos para nós
mesmos, e se as nossas devoções mais santas não nos levam a esta morte
necessária e fecunda, não daremos fruto algum que valha» (n. 81). O que
significa “morrer para nós mesmos”? Significa não se apegar a nada, desligar-se
de tudo. O que São Paulo chama de «morrer todos os dias para nós mesmos»
(1 Cor 15, 31) nada mais é do que servir-se das coisas do mundo sem sentir
necessidade delas. Para morrer para nós mesmos, encher-nos de Deus e nos
tornarmos santos, precisamos de descobrir o grande meio, o verdadeiro caminho,
ou seja, a perfeita devoção a Nossa Senhora.
Depois de ter exposto as cinco verdades fundamentais que constituem o pressuposto
da verdadeira devoção a Maria, São Luís dedica um outro capítulo da sua obra, o
terceiro, para nos alertar contra as falsas devoções a Maria e elenca sete
espécies de falsos devotos à Santíssima Virgem: isto é, os devotos críticos,
que são espíritos orgulhosos que em nada acreditam e que tudo criticam (n. 93);
os devotos escrupulosos, que temem desonrar o filho honrando a Mãe (nn.
94-95); devotos exteriores, desprovidos de espírito interior (n. 96); os
devotos presunçosos, que são pecadores entregues às suas paixões (nn. 97-101);
os devotos inconstantes, que praticam a devoção da Santíssima Virgem em
intervalos e segundo os seus caprichos (n. 101); os devotos hipócritas,
que escondem os seus pecados sob uma aparente devoção à Virgem (n. 102); os devotos
interesseiro, que recorrem à Virgem apenas para obter algum favor (n.
103).
A verdadeira devoção, por outro lado, deve ser interior, terna, o
que não quer dizer sentimental, mas simples; santa; constante e desinteressada,
isto é, conduzir a alma à procura não de si mesma, mas de Deus somente na sua
santa Mãe. A verdadeira devoção a Maria consiste numa completa renúncia de nós
mesmos para pertencermos completamente a Ela.
Roberto de Mattei
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