Recentemente, um dos ilustres frequentadores de tal mesa, que também se podem apelidar de vencidos da vida, ou de vencidos pela vida, afirmou, em tom irónico e colérico – tal mistura se deve ao facto de ser um admirador assumido do equilíbrio metafísico, note-se; e quase me fez emocionar, porquanto é perito nisso –, durante uma amena cavaqueira com um nobre membro de uma vetusta Ordem religiosa que guardou há tanto tempo o proselitismo no bolso mais pequeno das calças Levis – apesar de o fardo ser pesado, considerando que o rebanho é grande e o odor deve ficar entranhado –, que cinco centenas de católicos portugueses são um número não muito significativo – mas duas dezenas já podem decidir tudo, mesmo se à revelia da Mãe – para pedirem ao grupo organizado a que pertence o favorzinho de os deixarem receber O próprio Cristo na boca. Favorzinho esse que, pelo menos ao que parece, foi, desde sempre, ordenado pela Igreja – que precisa de ser reformada, também o defendem, tendo como principal percursor um célebre adepto de futebol sul-americano que, desde há uns poucos de anos, vive na casa a que Marta empresta o nome. Mas, antes ainda, tinha anunciado que respeita as opiniões de toda a gente. O mesmo é dizer: cada um tem direito à sua opinião, mas a minha é a melhor; ou, como dizem os pequenos, o meu brinquedo é mais bonito que o teu. Afinal, só a alguns é que se terá mandado fechar a boca. Que argumentos têm? Falam de bom senso quando, na verdade, o não encontram. Tudo isto é uma patuscada que, por ser orientada por uma sinistra infantilidade, já está a ter as suas consequências.
Obrigado, senhor de vermelho, amiguinho, por pertencer a tão próxima e afectuosa brigada de desinfecção que, desde sábado, nos tem oferecido álcool gel, espaços limpinhos frequentemente, sinalética fofinha, cordas nos bancos para nos agarrarmos enquanto assistimos ao naufrágio dos seus súbditos, nossos superiores e, ao mesmo tempo, irmãos, como gostam de dizer, porque há já muito quiseram prescindir de ser pais, salvo honrosas excepções. Devemos sentir-nos deveras agradecidos perante esta atenção tão querida, dócil e meiga! Se calhar, teremos que lhes começar a chamar sub-delegados de saúde. Isto porque já entregaram a carta de demissão de pastores há incontável tempo. E até fazem favores ao Estado, esquecendo que o Reino do Senhor não é deste mundo (Jo 18, 36)!
Todo este cenário é muito bom, divertido e faz parte do grande hospital de campanha a que pertencemos. Só que uns pagam taxas moderadoras mais caras ou, então, os que não podem deixam de ser assistidos. Há que definir critérios, afinal temos de acompanhar os tempos que nos exortam a que cada um se salve como puder. Enquanto isso, os senhores de roxo-púrpura continuam escondidos, dando, muito raramente, o ar da sua graça com textos bem feitinhos a que chamam notas pastorais e em que escrevem uma série de piadas que fazem doer a barriga de tanto rir... para não chorar! E ainda nos açoitam com o bastão se não seguimos a carneirada.
O tom foi sarcástico, mas a realidade é agudamente alarmante. Estamos nas mãos de quem há muito perdeu a sensibilidade nos dedos, agregados às mãos ungidas – e até dizem que lhes comove olhar para as mãos santas –, e, pior, de quem se tornou padrasto de quem quis pedir orientação segura e fiel aos hipotéticos pais. Querem alegar tudo com a saúde, mas ignoram que estão a ficar com o rosto escuro e, em breve, cairão sem amparo – o Governo agradece, até porque tudo isto é uma gracinha. Que vergonha, Excelências! Deus nos ajude, desde que conserve o distanciamento social e desinfecte as mãozinhas primeiro.