Senhores Cardeais e Bispos, quereis realmente esta Igreja?



As primeiras reacções perante o Instrumentum Laboris para o Sínodo sobre a Amazónia concentraram-se na abertura aos sacerdotes casados e na inclusão das mulheres na ordem sacramental da Igreja. Mas o Instrumentum Laboris é algo mais: é um manifesto da ecoteologia da libertação que propõe uma “cosmovisão” panteísta e igualitária inaceitável para um católico. As portas do Magistério, como bem apontou José Antonio Ureta, foram abertas «à Teologia Índia e à Ecoteologia, duas derivações latino-americanas da Teologia da Libertação, cujos corifeus, depois do colapso da URSS e do fracasso do “socialismo real”, atribuíram aos povos indígenas e à natureza o papel histórico da força revolucionária, em chave marxista». 

No documento, publicado pela Santa Sé a 17 de Junho, a Amazónia «irrompe» como «um novo sujeito» na vida da Igreja (n. 2). Mas o que é a Amazónia? Não é apenas um lugar físico, uma «biosfera complexa» (n. 10), mas é «uma realidade repleta de vida e sabedoria» (n. 5), que se eleva a um paradigma conceitual e que nos chama a uma conversão: «pastoral, ecológica e sinodal» (n. 5). A Igreja, para desempenhar o seu papel profético, deve colocar-se à escuta dos «povos amazónicos» (n. 7). Estes povos são capazes de viver em «intercomunicação» com todo o cosmo (n. 12), mas os seus direitos são ameaçados pelos interesses económicos das multinacionais que, como dizem os nativos de Guaviare (Colômbia), «cortaram as veias da nossa Mãe Terra» (n. 17). A Igreja ouve os «clamores dos povos e da terra» (n. 18), porque na Amazónia «o território é um lugar teológico a partir do qual se vive a fé, mas é também uma peculiar fonte de revelação de Deus» (n. 19). Uma terceira fonte da Revelação acrescenta-se, portanto, à Sagrada Escritura e à Tradição: na Amazónia, território onde «tudo está interligado» (n. 20), tudo está «constitutivamente em relação, formando um todo vital» (n. 21). Na Amazónia, o ideal do comunismo é realizado, porque, no colectivismo tribal, «tudo é partilhado, os espaços privados – típicos da modernidade – são mínimos».    

Os povos indígenas libertaram-se do monoteísmo e recuperaram o animismo e o politeísmo. De facto, como se lê no n. 25: «A vida das comunidades amazónicas ainda não atingidas pelo influxo da civilização ocidental reflecte-se na crença e nos ritos sobre a actuação dos espíritos, da divindade – chamada de inúmeras maneiras – com e no território, com e em relação à natureza. Esta cosmovisão resume-se no ‘mantra’ de Francisco: “Tudo está interligado” (LS, 16, 91, 117, 138, 240)».          

O documento insiste afirmando que a «cosmovisão» amazónica contém uma «sabedoria ancestral, reserva viva da espiritualidade e da cultura indígena» (n. 26). Portanto, «os povos amazónicos originários têm muito a ensinar-nos. (...) Os novos caminhos de evangelização devem ser construídos em diálogo com estas sabedorias ancestrais em que se manifestam as sementes do Verbo» (n. 29). A riqueza da Amazónia é não ser monocultural, mas ser «um mundo multiétnico, multicultural e multirreligioso» (n. 36) com que é necessário entrar em diálogo. Os povos da Amazónia «confrontam-nos com a memória do passado e com as feridas causadas durante longos períodos de colonização. Por isso, o Papa Francisco pediu “humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América”. Neste passado, às vezes a Igreja foi cúmplice dos colonizadores, sufocando a voz profética do Evangelho» (n. 38).      

A «ecologia integral» inclui «a transmissão da experiência ancestral, cosmologias, espiritualidades e teologias dos povos indígenas, em volta do cuidado da Casa Comum» (n. 50). «Na sua sabedoria ancestral cultivaram a convicção de que a criação inteira está interligada, o que merece o nosso respeito e responsabilidade. A cultura da Amazónia, que integra os seres humanos com a natureza, constitui-se um ponto de referência para construir um novo paradigma da ecologia integral» (n. 56). A Igreja deve despojar-se da sua romanidade e assumir «um rosto amazónico». «O rosto amazónico da Igreja encontra a sua expressão na pluralidade dos seus povos, culturas e ecossistemas. Esta diversidade tem necessidade da opção por uma Igreja em saída e missionária, encarnada em todas as suas actividades, expressões e linguagens» (n. 107). «Uma Igreja com rosto amazónico, nas suas muitas nuances, procura ser uma Igreja “em saída” (cf. EG 20-23), que deixa atrás de si uma tradição colonial monocultural, clericalista e impositiva, que sabe discernir e assumir sem medo as diversificadas expressões culturais dos povos» (n. 110). O sopro panteísta que anima a natureza amazónica é um leitmotiv do documento. «O Espírito criador que enche o universo (cf. Sb 1, 7) alimentou a espiritualidade destes povos ao longo dos séculos, ainda antes do anúncio do Evangelho, e é Ele que os leva a aceitá-lo a partir das suas próprias culturas e tradições» (n. 120). Portanto, «é preciso captar aquilo que o Espírito do Senhor ensinou a estes povos ao longo dos séculos: a fé no Deus Pai-Mãe Criador, o sentido de comunhão e a harmonia com a terra, o sentido de solidariedade para com os seus companheiros, o projecto do “bem viver”, a sabedoria de civilizações milenares que os anciãos possuem e que influi sobre a saúde, a convivência, a educação, o cultivo da terra, a relação viva com a natureza e a “Mãe Terra”, a capacidade de resistência e resiliência, em particular das mulheres, os ritos e as expressões religiosas, as relações com os antepassados, a atitude contemplativa e o sentido de gratuidade, de celebração e de festa, e o sentido sagrado do território» (n. 121).

Em função, ainda, de uma «salutar descentralização» da Igreja, «as comunidades pedem que as Conferências Episcopais adaptem o rito eucarístico às suas culturas». «A Igreja deve encarnar-se nas culturas amazónicas que possuem um elevado sentido de comunidade, igualdade e solidariedade, e por isso não se aceita o clericalismo nas suas diferentes formas de manifestação. Os povos originários possuem uma rica tradição de organização social, na qual a autoridade é rotativa e dotada de um profundo sentido de serviço. A partir desta experiência de organização, seria oportuno voltar a considerar a ideia de que o exercício da jurisdição (poder de governo) deve estar vinculado em todos os âmbitos (sacramental, judicial e administrativo) e de maneira permanente ao sacramento da ordem» (n. 127). Partindo da premissa de que «o celibato é uma dádiva para a Igreja», vem expresso o pedido que «para as áreas mais remotas da região, se estude a possibilidade da ordenação sacerdotal de pessoas idosas, de preferência indígenas, respeitadas e reconhecidas pela sua comunidade, mesmo que já tenham uma família constituída e estável, com a finalidade de assegurar os Sacramentos que acompanhem e sustentem a vida cristã» (n. 129). Além disso, é necessário «garantir às mulheres a sua liderança, bem como espaços mais amplos e relevantes no campo da formação: teologia, catequese, liturgia e escolas de fé e de política» e «identificar o tipo de ministério oficial que pode ser conferido às mulheres, tendo em conta o papel central que desempenham, hoje, na Igreja amazónica».

Que mais acrescentar? Calar-se-ão os Bispos, sucessores dos Apóstolos, e os Cardeais, conselheiros do Papa no governo da Igreja, perante este manifesto político-religioso que distorce a doutrina e a prática do Corpo Místico de Cristo?   

Roberto de Mattei

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